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Rio

Simonal 3.540/72

Da Folha Online:

*Um X-9 Brando*, ou

*Simonal 3.540/72*

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*PROCESSO A QUE A FOLHA TEVE ACESSO EXPLICITA COLABORAÇÃO ENTRE CANTOR E O
DEPARTAMENTO DE ORDEM POLÍTICA E SOCIAL; EM VIDA, ARTISTA DESMENTIA VÍNCULO
COM ÓRGÃOS DE SEGURANÇA *
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out.1974/Reprodução

*O artista em 1974*

* MÁRIO MAGALHÃES*
DA SUCURSAL DO RIO
Wilson Simonal de Castro, um dos mais talentosos cantores do Brasil em todos
os tempos, declarou formalmente em 1971 que era informante do Dops
(Departamento de Ordem Política e Social), a polícia política do antigo
Estado da Guanabara.
Seu depoimento na polícia foi avalizado reiteradamente em processo judicial
por seu advogado Antonio Evaristo de Moraes Filho.
A declaração de Simonal e a confirmação de Evaristo nunca foram divulgadas
-conhecem-se apenas as manifestações de proximidade do artista com o Dops,
mas em público ele negava ter sido informante.
A Folha teve acesso ao processo 3.540/72, do qual consta o depoimento em que
Simonal reconhece seus serviços.
Ele foi processado sob acusação de ser o mentor de uma sessão de tortura -em
dependências do Dops- para obter confissão de desfalque de Raphael Viviani,
ex-funcionário de sua firma.
Relatório confidencial do Dops, anexado aos autos e ainda hoje inédito,
explicitou a ligação -reafirmada por um agente do órgão, Mário Borges, em
interrogatório na Justiça.
Testemunha de defesa do artista, o tenente-coronel do Exército Expedito de
Souza Pereira descreveu-o como "colaborador das Forças Armadas". Foi Simonal
(1938-2000) quem se disse "colaborador dos órgãos de informação",
sublinharam Viviani e seu advogado, Jorge Alberto Romeiro Jr.
O Ministério Público, representado pelo atual deputado Antônio Carlos
Biscaia (PT-RJ), apontou o intérprete como "colaborador das Forças Armadas e
informante do Dops". Sentença proferida pelo juiz João de Deus Lacerda Menna
Barreto concordou.
Acórdão (decisão de corte superior) do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Estado
do Rio de Janeiro), assinado em 1976 pelos desembargadores Moacyr Braga Land
e Wellington Pimentel, referendou: Simonal era "colaborador das autoridades
na repressão à subversão". Foi a palavra final da Justiça.
Todos esses documentos integram o processo 3.540, instaurado em 1972 na 23ª
Vara Criminal, concluído em 1976 e em cujas 655 folhas jamais houve
divergência: dos amigos mais fiéis ao antagonista mais ressentido, todos
estiveram de acordo que Simonal -e ele assentia- era informante do Dops.
Em abril, a *Folha* pediu ao TJ para ler os papéis. Localizados em junho,
eles foram consultados pelo jornal na íntegra. A história que eles
descortinam vai na contramão de versões que rejeitam a relação do cantor com
o aparato de segurança da ditadura militar (1964-85).
Entrevistas com sobreviventes da época e pesquisa em periódicos jogam luz no
episódio.
Em 2000, a *Folha* publicou reportagem com base na sentença de 11 páginas,
encontrada no Arquivo Público do Estado do RJ, que guarda o acervo do Dops.
Contudo, não achou cópia do conjunto do processo nem do informe interno
acerca de Simonal, da declaração em que ele se afirmou colaborador ou de
lista de eventuais pessoas delatadas por ele.
Desde a década de 1930 havia informantes da polícia política nos meios
culturais do Rio. Eles não costumavam ser identificados nominalmente em
relatórios, como se constata no Arquivo do RJ.

*Tortura*
A controvérsia sobre as conexões do cantor ressurgiu com vigor devido ao
documentário "Simonal - Ninguém Sabe o Duro Que Dei", de Claudio Manoel,
Micael Langer e Calvito Leal.
O filme narra da ascensão ao estrelato à morte no ostracismo, determinada
pela imagem de "dedo-duro" -função que no fim da vida Simonal contestava ter
desempenhado. Ele se dizia alvo de mentira inventada por inimigos, de
racismo e de perseguição da esquerda.
O cantor não foi julgado pela colaboração com a ditadura, mas por ter levado
Viviani para a sede do Dops, na rua da Relação, região central do Rio.
Simonal foi ao departamento e emprestou seu carro aos policiais, que
buscaram Viviani em casa quase à meia-noite de 24 de agosto de 1971,
passaram pelo escritório do artista e terminaram na rua da Relação.
Lá torturaram Viviani com choques elétricos, socos e pontapés até ele
assumir por escrito o desvio.
Simonal estava no Dops, para onde ajudou a transportar -desde seu
escritório, em Copacabana- o ex-chefe de escritório da Simonal Comunicações
Artísticas.
Ele não participou da tortura nem a testemunhou.
Um inquérito foi instaurado na 13ª DP porque a mulher do funcionário
registrou o desaparecimento.
Foram condenados o cantor, um policial do Dops, Hugo Corrêa de Mattos, e um
colaborador do órgão, Sérgio de Andrada Guedes. Em 1974, por crime de
extorsão, a pena de cinco anos e quatro meses de reclusão. Em 1976, depois
da desclassificação do crime para constrangimento ilegal, a três meses.
Simonal passou nove dias detido. Os três negaram as acusações.

*"Subversivos"*
Relatos jornalísticos recentes sustentam que foi o inspetor Mário Borges,
chefe da Seção de Buscas Ostensivas do Dops e notório torturador de presos
políticos, a fonte original da classificação de Simonal como informante.
Na 23ª Vara, Borges disse que o cantor "era informante do Dops e diversas
vezes forneceu indicações positivas sobre atividades de elementos
subversivos".
Não citou a identidade dos "elementos". O interrogatório do policial ocorreu
em 16 de novembro de 1972.
Acontece que, 450 dias antes, Simonal já prestara declarações no Dops que
foram anexadas ao processo e não chegaram ao noticiário.
Às 15h de 24 de agosto de 1971, perto de nove horas antes da diligência
contra Viviani, Simonal afirmou ter ido à rua da Relação "visto aqui
cooperar com informações que levaram esta seção a desbaratar por diversas
vezes movimentos subterrâneos... subversivos no meio artístico". Também não
nomeou os "movimentos".
Ou seja, o primeiro a sustentar que Simonal era informante foi ele mesmo, e
antes da ação da polícia. Na ocasião, o cantor lembrou que no golpe de
Estado de 1964 esteve no Dops "oferecendo seus préstimos ao inspetor José
Pereira de Vasconcellos" -outro denunciado por sevícias contra opositores.
Simonal assinalou que se aproximou ainda mais do Dops quando pediu e obteve
proteção contra uma ameaça de explosão de bombas em um show.
Em 1971, ele se queixou de um "grupo subversivo" que prometia sequestrá-lo
se não "arrumasse" dinheiro.
A voz anônima parecia, ele disse, a de Viviani.
Na 13ª DP, o cantor depôs em 28 de agosto. Apresentou-se como "homem de
direita" e relembrou ter dito no Dops (no dia 24) que conhecia, "como da
área subversiva", "uma irmã do senhor Carlito Maia" -era a produtora
cultural Dulce Maia, ex-presa política e àquela altura exilada.
Esse depoimento vazou à imprensa, mas nele Wilson Simonal calou, nem lhe
perguntaram, sobre a atuação como informante.

*1971/1976*

*24 de agosto de 1971
* "O declarante aqui comparece visto a confiança que deposita nos policiais
aqui lotados e visto aqui cooperar com informações que levaram esta seção a
desbaratar por diversas vezes movimentos subterrâneos... subversivos no meio
artístico; que o declarante, quando da revolução de março de 1970, digo 64,
aqui esteve oferecendo seus préstimos ao inspetor José Pereira de
Vasconcellos; que o declarante de certa feita ou, melhor, quando apresentava
o seu show "De Cabral a Simonal" no teatro Toneleiros, foi ameaçado de serem
colocadas bombas naquela casa de espetáculos; que o declarante nesta época
solicitou a proteção do Dops para sua casa de espetáculo, o que foi feito e
nada se registrando de anormal."
Wilson Simonal de Castro, em depoimento ao Dops

*30 de agosto de 1971
* "Como sabe V. Sa., o cantor Wilson Simonal é elemento ligado não só ao
Dops, como a outros órgãos de informação, sendo atualmente o elemento de
ligação entre o governo, as autoridades e as Forças Armadas com o povo,
participando de atos públicos e festividades, fazendo de seu verbo e prosa a
comunicação que há tanto tempo faltava."
Mário Borges, chefe da Seção de Buscas Ostensivas do Dops, para José Pereira
de Vasconcellos, chefe do Serviço de Buscas, em informe confidencial

*16 de novembro de 1972 *
"O primeiro acusado, Wilson Simonal, era informante do Dops e diversas vezes
forneceu indicações positivas sobre atividade de elementos subversivos."
Mário Borges, inspetor do Dops, em interrogatório na 23ª Vara Criminal

*29 de julho de 1974
* "Conhece o primeiro acusado [Wilson Simonal] porque após a revolução de 64
o primeiro réu sempre colaborou com as Forças Armadas."
Expedito de Souza Pereira, tenente-coronel do Exército, em interrogatório na
23ª Vara Criminal

*14 de outubro de 1974
* "Simonal se diz, com todas as letras neste processo, um colaborador dos
órgãos de informação, por se tratar de homem de direita. A sua defesa
corroborou isso com cifras definitivas [...]. Daquela época ["Revolução de
1964'] ao fato da denúncia se perfizeram 7 anos e meses de atividade
policial auxiliar voluntária de Simonal (que, aqui, num processo comum, deve
ficar imune a aplausos ou críticas), por conseguinte. Lapso de tempo esse
que, evidentemente, levou o cantor-acusado a ter, pelo menos, grande
afinidade com os agentes do Dops, para não falar em proteção."
Alegações finais do assistente de acusação Raphael Viviani, na 23ª Vara
Criminal, assinadas pelo advogado Jorge Alberto Romeiro Jr.

*1974
* "Ficou cabalmente esclarecido que o suplicante, na tarde de 23 de agosto,
inclusive a conselho de um oficial superior do Exército, compareceu ao Dops,
onde prestou formalmente um depoimento em que se queixou de estar sendo
vítima de telefonemas ameaçadores, por parte de elementos supostamente
subversivos. [...] O suplicante, ao dirigir-se ao Dops, por recomendação de
um oficial superior do Exército, o fez em decorrência das ameaças
aterrorizantes que vinha sofrendo, revestidas de caráter político."
Alegações finais em favor de Wilson Simonal de Castro, na 23ª Vara
Criminal, assinadas pelo advogado Antonio Evaristo de Moraes Filho

*11 de novembro de 1974
* "Que Wilson Simonal de Castro era colaborador das Forças Armadas e
informante do Dops é fato confirmado [...]."
João de Deus Lacerda Menna Barreto, juiz da 23ª Vara Criminal, na sentença
do processo 3.540/72

*9 de dezembro de 1974
* "O primeiro apelante, Wilson Simonal de Castro, era colaborador das Forças
Armadas e informante do Dops [...]."
Antônio Carlos Biscaia, promotor de Justiça, em contra-razões de recurso

*3 de junho de 1976
* "Resulta duvidosa, entretanto, a finalidade de diligência, cabendo aqui
destacar-lhe dois aspectos. O primeiro, quanto à colocação feita junto ao
Dops, noticiando ameaças dirigidas ao cantor Wilson Simonal, pelo fato de
ser o mesmo colaborador das autoridades na repressão à subversão, o [que]
torna a diligência ordenada regular, como reconheceu a sentença."
Desembargadores Moacyr Braga Land e Wellington Pimentel, da 3ª Câmara
Criminal, no acórdão da apelação nº 62.372

*+ discografia selecionada*

*"Wilson Simonal" & "S'imbora" *
(CD EMI) - discos de 1965, início da carreira

*2 em 1 - Alegria, Alegria *
(EMI) - combina LPs da série "Alegria, Alegria", lançada originalmente de
1967 a 1969

*Alegria Tropical *
(CD Movieplay) - disco de 1985

*Brasil *
(Movieplay) - de 1995, um dos últimos discos lançados em vida

*O elo perdido*

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*RELATÓRIO CONFIDENCIAL DO DOPS, DE 30 DE AGOSTO DE 1971, REFORÇA LIGAÇÃO
COM O ARTISTA *
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DA SUCURSAL DO RIO
Relatório interno do Departamento de Ordem Política e Social da Guanabara,
com carimbo "confidencial", resumiu em 30 de agosto de 1971 a relação com
Wilson Simonal:
"É elemento ligado não só ao Dops, como a outros órgãos de informação, sendo
atualmente o elemento de ligação entre o governo, as autoridades e as Forças
Armadas com o povo, participando de atos públicos e festividades, fazendo de
seu verbo e prosa a comunicação que há tanto tempo faltava".
O signatário foi o chefe da Seção de Buscas Ostensivas, Mário Borges. O
destinatário, o chefe do Serviço de Buscas, José Pereira de Vasconcellos.
No mesmo dia, o diretor da Divisão de Operações, Zonildo Castello Branco,
endereçou aquele relatório sigiloso ao diretor do departamento, coronel do
Exército Gastão Barbosa Fernandez. O coronel encaminhou-o à Justiça, que o
anexou ao processo 3.540/72.
Seu conteúdo não foi contestado por ninguém.
Produzido no calor da repercussão em torno da detenção de Raphael Viviani, o
documento evoca episódio em que o Dops deu proteção a Simonal por três meses
contra supostos "subversivos" que teriam prometido estourar bombas no teatro
em que o artista estava em cartaz.
Ele ajuda a entender o grau da intimidade que permitiu, para resolver
pendenga privada, surrar um cidadão em prédio público onde funcionários se
dedicavam a questões de Estado: combater oposicionistas, em particular os de
grupos armados.
Menos de quatro semanas antes da chegada de Viviani, o engenheiro Raul Amaro
Nin Ferreira foi preso e levado para o Dops, onde o torturaram.
Seu martírio prosseguiu na instalação do Exército em que funcionava o DOI
(Departamento de Operações de Informações). Raul Amaro saiu de lá para o
hospital, onde morreu.
No comando da radiopatrulha que o transportou entre o Dops e o DOI estava
Mário Borges, conforme a edição 2009 do "Dossiê Ditadura -Mortos e
Desaparecidos Políticos no Brasil (1974-1985)", organizado pela Comissão de
Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.
Borges foi um dos cinco réus no processo decorrente da tortura contra
Viviani. Acabou absolvido porque não participou das sevícias e tinha álibi
de que estava ausente -em missão contra a "subversão".
Em 1985, o Projeto Brasil: Nunca Mais, coordenado pela Arquidiocese de São
Paulo, inventariou a tortura durante a ditadura. Foram numerosas as
denúncias de presos políticos apontando Mário Borges e José Pereira de
Vasconcellos como torturadores.

*Forças Armadas*
O relatório do Dops que descreve a colaboração de Simonal com outros órgãos
ganhou mais verossimilhança com o interrogatório do tenente-coronel do
Exército Expedito de Souza Pereira, na 23ª Vara Criminal, em 29 de julho de
1974.
Testemunha de defesa do cantor, ele afirmou: "Conhece o primeiro acusado
[Simonal] porque após a revolução de 64 o primeiro réu sempre colaborou com
as Forças Armadas".
Em 1974, o oficial estava lotado na Escola Superior de Guerra. Em 1971, era
relações públicas do 1º Exército, comando da Força na Guanabara (que hoje
equivale ao município do Rio de Janeiro) e em outros Estados. Pereira disse
ter sido procurado por Simonal, que lhe falou sobre ameaças que estaria
sofrendo. O militar sugeriu que recorresse ao Dops.
Nos anos 1990, Simonal obteve um atestado da SAE (Secretaria de Assuntos
Estratégicos) assegurando que ele nunca foi seu informante.
A SAE sucedeu o SNI (Serviço Nacional de Informações) da ditadura.
O nome do SNI não aparece, entretanto, no processo 3.540, no qual Simonal é
reconhecido como informante do Dops e colaborador do 1º Exército.
Em 1972, o cantor contextualizou em juízo a origem da intimidação: "[...]
Desde que participou de uma Olimpíada do Exército fazendo um show, e de
fazer [sic] um disco da Shell de propaganda do governo, isto é, fazia
indiretamente propaganda do governo, passou a receber telefonemas anônimos
que lhe faziam [sic] ameaças a si e a sua família".

*"Comunistas"*
Ele repetidamente proclamou a camaradagem com integrantes da polícia
política. Em 1971, de acordo com o "Correio da Manhã", mencionou José
Pereira de Vasconcellos como "meu grande amigo".
Logo depois do mandado de prisão expedido em 1974, entregou-se ao Dops de
São Paulo. "O delegado Sérgio Fleury é meu chapinha e tudo vai correr dentro
do figurino", disse, conforme o "Última Hora".
Responsável por dezenas de assassinatos, Fleury foi o mais destacado
policial no combate à luta armada durante o governo do general Emilio
Garrastazu Médici (1969-74).
Em seus últimos anos, Simonal reclamou do que considerava um viés
persecutório do jornalismo contra ele. Mas, em seguida à surra em Raphael
Viviani, a versão do artista foi encampada por parcela expressiva da
imprensa.
Reportagens céticas em relação aos relatos de Simonal provocaram irritação,
sugere nota do colunista Ibrahim Sued na edição de "O Globo" de 4 de
setembro de 1971.
A nota: "As autoridades militares estão começando a ficar de olho em certa
imprensa marrom, principalmente no que se refere aos artistas... Eu estou
apenas advertindo. Quem avisa amigo é... O mar não está pra peixe...".
O semanário "O Pasquim" foi o primeiro que tratou Simonal como "dedo-duro".
Com a sentença de 1974, a revista "Veja" publicou que a operação contra
Viviani "foi facilitada pelo fato de Simonal também ser informante da
polícia".
A fama de delator custou-lhe vaias e xingamentos em shows.
Em agosto de 1982, ainda na ditadura, a *Folha* circulou com entrevista de
Simonal em que ele afirmou:
"Dizer que eu dedurei os cantores comunistas é meio calhorda. Eles próprios
nunca negaram que eram comunistas. Chico Buarque, Caetano Veloso jamais
disseram o inverso. E qualquer criança sabe o que eles são..."
Depois, Simonal disse que suas declarações foram distorcidas. O jornal
respondeu que nada havia alterado.
* (MÁRIO MAGALHÃES)

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*Para delegado, "ele não era informante"*

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*ENTÃO Nº 2 NO DOPS, ZONILDO CASTELLO BRANCO ISENTA CANTOR DE COLABORAÇÃO
COM POLÍCIA POLÍTICA*
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DA SUCURSAL DO RIO

O delegado aposentado Zonildo Castello Branco afirma que Wilson Simonal não
era informante do Departamento de Ordem Política e Social, apesar de um
relatório interno do Dops sustentar o contrário.
Em 1971, quando o informe foi elaborado no órgão -ao fim seria anexado ao
processo 3.540/72-, Castello era o diretor da Divisão de Operações, o número
dois da polícia política no Rio.
Foi ele quem encaminhou para o diretor o relatório de autoria do inspetor
Mário Borges. "Simonal era muito ligado, conhecia o Mário Borges, mas
colaborador não era, não."
O delegado sustenta que enviou o informe ao superior, sem nenhuma restrição
às informações, porque esse era o método. "Eu apenas submetia o relatório à
consideração."
A Folha localizou no Rio o empresário Sérgio de Andrada Guedes, um dos três
condenados no processo. Conversou com ele por telefone, Guedes prometeu
ligar, mas não respondeu mais aos recados.
Ele foi um dos dois homens que buscaram Raphael Viviani em casa na noite de
24 de agosto de 1971. No processo, aparece como colaborador do Dops e
industrial -hoje sua empresa tem mais de 300 funcionários.
"Muito pouco sei daquilo. Sei tanto quanto vocês, imprensa", disse ele, no
único contato com o jornal.
A condição de informante "parece uma história de cobertura", diz o ator e
cineasta Cláudio Manoel, sobre o depoimento em que o cantor assim se
assumiu.
Ele é codiretor do filme que conta a vida de Simonal.
"Estranho que no próprio dia em que o cara vai ter essa ação ele vai e
presta queixa." Seria uma forma de justificar a colaboração do Dops em uma
iniciativa sem cunho político.
"Acho impossível provar a condição de informante, sendo ou não." Critica:
"Parece mais relevante é que de uma certa forma a questão de ele ser ou não
informante parece decisiva para justificar se merecia ou não ter sofrido o
tipo de lepra que sofreu".
Cláudio identifica crueldade com Simonal: "Por que não passa? Digamos que
fosse provado que o cara foi um informante da ditadura. Trinta anos depois
da Lei da Anistia, o que interessa isso?".
Na sua opinião, houve contra Viviani "uma operação truculenta, estúpida e de
vendeta pessoal que descambou para o errado".

*Inocente*
Logo que uma enorme leva de marinheiros foi presa pelos golpistas de 1964,
dois advogados de 38 anos de idade se desdobraram para, sem cobrar um
tostão, dar conta de tantas defesas urgentes: Antonio Evaristo de Moraes
Filho e Antônio Augusto Alves de Souza.
Eles ficariam de tal modo marcados que seus detratores pró-regime
gracejavam: não eram causídicos de porta de xadrez, mas de porta de
fortaleza -instalações militares onde os clientes eram encarcerados.
Ao se ver em apuros, Simonal procurou Evaristo. O motivo era óbvio, diz
Alves de Souza: "Ele era um advogado excepcional, o melhor da época".
Durante todo o processo 3.540/72, a dupla representou Simonal. Evaristinho,
como chamavam o criminalista, era homem de esquerda. Morreu em 1997. Assinou
sozinho os principais documentos da defesa, inclusive os que avalizam o
depoimento em que o cantor se reconhece informante.
Seu colega, que "não era politizado", afirma que ambos nunca tiveram dúvidas
de que a versão de Simonal no episódio era verdadeira: ele dizia não saber
de tortura contra Viviani.
A Justiça não lhe deu razão, mas a defesa obteve vitória relativa ao limitar
a três meses a pena final, sem necessidade de cumpri-la na prisão.
"Se ele fosse realmente culpado, não se sentiria atingido", diz Alves de
Souza. "Por isso acredito piamente na inocência. Ele se sentia profundamente
infeliz. Em nenhum momento ficou provado nos autos que participou da tortura
ou que estava presente, o que evidencia a inocência."
De fato, nenhum depoimento, nem o de Viviani, sustentou que Simonal torturou
ou assistiu às sevícias. Ele foi condenado por ser considerado
corresponsável por constrangimento ilegal, mas não agressor.
Para Alves de Souza, Simonal foi vítima de "perseguição ideológica": "Da
mesma forma que havia a perseguição estatal contra aqueles que tinham a
ideologia de esquerda, o pessoal que era perseguido se voltou contra ele".
A intolerância feriu: "Pela mesma maneira que se julgava crime de ideologia,
o que é um absurdo, as pessoas que se diziam comunistas queriam acusá-lo por
ser um homem que tinha outra ideologia, por ser de direita".
A inveja teria contribuído: "Os invejosos anônimos aproveitaram aquele
momento para ajudar a derrubá-lo. Os arrivistas que querem subir à custa do
sofrimento alheio". * (MÁRIO MAGALHÃES)*

*"Atrapalhou minha vida, acabou com a dele", diz vítima*

DA SUCURSAL DO RIO
Quase quatro décadas depois dos eletrochoques acionados com manivela e do
espancamento que ele denunciou ter sofrido e sentença judicial reconheceu,
Raphael Viviani, 68, esboça em mão dupla seu balanço sincero da história:
"Isso aí atrapalhou deveras a minha vida, passei um sufoco muito grande. E
ele também acabou com a vida dele".
"Ele" é Wilson Simonal, o ex-patrão cuja firma foi alvo de uma reclamação
trabalhista do seu antigo chefe de escritório -e não contador, como até hoje
se repete- contratado em outubro de 1970 e demitido em junho seguinte.
Em 24 de agosto de 1971, por volta das 23h50, um agente e um colaborador do
Dops apanharam-no em casa. Era o dia seguinte à notificação da queixa pela
Junta de Conciliação.
Já na companhia de Simonal, levaram-no para a repartição policial -de onde
ele sairia por volta das 20h do dia 25, após redigir de próprio punho uma
confissão de apropriação indébita.
Obrigaram-no -foi isso que a Justiça concluiu - a escrever que gastou o
dinheiro em "noitadas, bebidas e mulheres". No processo, não consta prova ou
indício documental de desvio.
"Como é que eu vou esquecer uma coisa dessa?", pergunta, sobre os idos de
1971. "Não tem jeito de esquecer aqueles dias tumultuados. Se você me visse
antes e depois daquela noite que eu passei sendo torturado lá, não diria que
é a mesma pessoa."
"Uma foto antes e uma depois, elas saíram num jornal vagabundo, que inverteu
toda a minha história, você não diz que é a mesma pessoa. É uma coisa que eu
não vou esquecer. Vou acabar levando para o túmulo."
Viviani conversou com a *Folha* por telefone -foi fácil encontrá-lo
recorrendo à lista, pelo nome de um parente que mora com ele em um bairro da
zona oeste de São Paulo.
O escriturário conta estar aposentado por invalidez permanente -um diabetes
que teria começado a se manifestar em seguida à sua detenção.
Ele reapareceu publicamente com um depoimento no filme "Simonal - Ninguém
Sabe o Duro Que Dei".
Como ainda recordava o tom antipático contra ele em segmentos consideráveis
do jornalismo, nos dias e semanas posteriores à sua passagem pelo Dops,
falou ao documentário "para desabafar um pouco".
"Estava todo mundo formando ideia contra mim. Vou esclarecer isso aí, não
devo nada, seria bom. Minha família não gostou que eu tenha feito isso. E
até hoje eles não querem que eu mexa mais com isso. E eu não tenho muito o
que falar." * (MM)
*

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*Reportagem tentou falar com os filhos de 2ª a 5ª passadas*

DA SUCURSAL DO RIO

A *Folha* tentou da tarde da segunda-feira até a quinta, todos os dias e por
diversos meios, entrevistar os cantores Wilson Simoninha e Max de Castro,
filhos de Simonal. Na segunda, por e-mail, seguiram informações sobre o
conteúdo da reportagem de hoje. As mensagens foram repassadas às assessorias
na terça, após telefonemas.
Nos dois dias seguintes, prosseguiram os esforços para ouvir os artistas,
até a conclusão desta edição. As assessorias disseram que a agenda artística
dificultou o contato com os cantores.
Recentemente, os irmãos têm enfatizado a importância das muitas e novas
iniciativas de difusão da obra do pai, morto em 2000. Em 2008, a Folha
publicou reportagem sobre o filme "Simonal - Ninguém Sabe o Duro Que Dei".
Max disse considerar a história "incompleta", pois o documentário exibe o
depoimento de Raphael Viviani na parte final: "Não há contra-argumentos
depois. E a coisa não é tão simples como aparece no filme. Não fica claro
que houve ações anteriores [à ida ao Dops]. Ele [Simonal] procurou saber o
que estava acontecendo [em relação ao suposto desfalque].
Sabendo da origem humilde dele, do fato de não ter tido um pai, você
consegue imaginar ser possível a atitude que ele tomou, ainda que nada
justifique". Depois, Max criticou o jornal por ter publicado que o filme era
uma investigação da relação de Simonal com a ditadura.
"O documentário é sobre a saga de um homem negro, filho de uma empregada
doméstica, que sai da pobreza, do nada, para se tornar um dos maiores
artistas do Brasil durante os anos 1960", escreveu em resposta. * (MM) *
*Folha Online*

As cenas mais românticas do cinema segundo Dodomundi