A Paixão de Anticristo


Cena do filme "Anticristo", de Lars Von Trier, 2009.


Uma gata fêmea, bichinho fofo, fica grávida e, na hora de parir, procura o seu closet, aquele casaco que você mais gosta, para botar pra fora fetos finalmente completos, viscosos, sangrentos e ali mesmo, no seu casaco, ela vai lamber o sangue das crias, desprezar sem culpa os filhotes defeituosos para finalmente comer a própria placenta. É tudo muito aterrorizante, é tudo muito caótico, mas é a coisa mais linda que você já viu.

'Anticristo', filme que o dinamarquês de Lars Von Trier fez para se livrar de uma depressão aguda que o levou ao hospital, é como assistir ao parto de uma ninhada de gatos. É ser convencido de que o caos, o mal, a confusão, a intuição e a paixão são aspectos de um mesmo princípio, que é dele que o mundo é feito. O princípio feminino - a coisa mais linda que você já viu.

De cara, ter a coragem de, em tempos politicamente corretos, fazer um filme-tese para dessacralizar a mulher é adimirável. Ser fofo com as mulheres, e fazê-las delas vítimas incondicionais é a regra número um para que se seja aceito entre os seus. Fora as sábias histórias de crianças, cheias de bruxas e madrastas, a Literatura trata o Mundo como antagonista da Mulher.

Lars Von Trier diz que não. Que o Mundo, com toda a sua confusão e caos, o Universo impedoso, é a mulher. É o feminino. É a natureza. Para se recuperar do luto pelo filho que caiu da janela e morreu, um casal viaja para uma cabana no meio de uma floresta linda, quase luxiriante, quase pornográfica. No filme, o local se chama Éden. Adão e Eva vão voltar a ele para um acerto de contas.

Éden, localizado numa floresta da Alemanha, é verde, lindo, a brisa bate, a luz brilha a água é cristalina. Aos poucos e sem truques, apenas orientados pela a câmera, percebemos que o Éden é úmido, frio, tem insetos, que os insetos são esquisitos, que tem pássaros que devoram as crias defeituosas, onde a vegetação briga violentamente entre si pela sobrevivência: trepadeiras se enroscam ocupando violentamente tudo o que tocam, raízes estupram e exploram a terra. Predadores devoram filhotes. Decidido: a Natureza não tem compaixão. Jesus é compaixão. Logo, a Mulher, caótica, complicada, inconstante e dotada do mais natural dos equipamentos, o reprodutivo, é o Anti-Jesus. O Anticristo.

Charlotte Gainsbourg faz o papel da Eva que perdeu, ou matou, o filho que tanto amava. Uma escolha capital para o filme, uma vez que a figura da francesa, magra, frágil, doce, vai no filme, ter que provar ao público que é o Mal encarnado, inclusive cortando o próprio clitoris com uma tesoura, afim de nos lembrar que as civilizações primitivas, tão superestimadas por antropólogos e liberais, frequentemente castram suas mulheres. Willem Dafoe, escalado porque fez o papel de Cristo no filme A Última Tentação de Cristo, de Scorcese, sangra muito mais durante o filme.

Lars Von Trier está de mau humor. E um mau humor mais descomunal do que seus detratores, portanto, nem cheguem perto, não dá pra "ganhar" do cara. Os já famosos 1os 10 minutos de filme, em preto e branco, com câmera lenta de altissima definição são, de fato, acachapantes. E contam várias histórias sem um diálogo sequer, uma vez que perto do fim do filme chega-se à conclusão de que a criança era na verdade o Anticristo, pelo menos na cabeça da mãe, que havia passado o verão na cabana do Éden pesquisando sobre a História da exploração da mulher pelo homem e que chegou a conclusão de que ela, e todas as mulheres, e toda a natureza, são Satã, sem haver nada de errado nisso, sendo o filho o Anticristo, que deveria ser torturado e assassinado sistematicamente por sua própria mãe que, descobriremos no fim do filme, deformava os pés do filho (tranformando-os em cascos demoníacos) para que um dia ele se desequilibrasse e caísse da janela.

As cenas em preto e branco, que descrevem o pouco de rotina de felicidade e harmonia do casal protagonista são as que justamente usam mais tecnologia. Para Lars Von Trier e seu mau humor, a tecnologia, o homem tecnológico é o que nos salva do Mal. E que " zebrinha listrada, coelhinha da páscoa, ursinho peludo? Vão se f*".

Quando o casal faz amor ela pede para tomar uns tapas. Acadêmico, Intelectual, civilizado, AntiNatural, o marido se recusa, justificando: não bato porque te amo. "Então você não me conhece", diz a esposa. É desse desconhecimento da mulher, da natureza humana, da natureza de animais e plantas, que Anticristo quer nos tirar. Quem já bateu em mulher na hora do sexo se deu bem e se você, moço ou moça, não sabe disso ainda, tá na hora de saber. Anticristo de Lars Von Trier que iluminar você de idéias pagãs, graças a Deus.

"A fonte de toda a arte é a psique humana primitiva, necessidade pré-linguística de resolução de todo o cansaço e discordância através da beleza e da harmonia." - diz o teórico americano Robert McKee. Anticristo é a tentativa de Lars Von Trier em resolver o seu próprio cansaço e discordância com o o mundo, apelando para um festival possivelmentente nunca antes visto de imagens belas e harmônicas.

Tenho uma gata, Ana, castrada, que uma vez, para mostrar quem mandava na casa, tascou-me uma unhada no canto do olho, mostrando que me cegaria se um dia precisasse. A ferida que a gata fez no canto do meu olho verteu sangue. Me olhando no espelho, parecia que eu chorava sangue. Mesmo assim, limpei a ferida e olhei para minha gata com uma ternura que não caberia no Éden. E me senti no Paraíso.

Manhattan e porque a vida vale a pena.



"Well, all right, why is life worth living?
That's a very good question.


Well, there are certain things, I guess,
that make it worthwhile.



Like what?



OK... for me...




Ooh, I would say Groucho Marx,
to name one thing.





And Willie Mays.




And... the second movement
of the Jupiter Symphony.






And... Louis Armstrong's
recording of Potato Head Blues.






Swedish movies, naturally.





Sentimental Education by Flaubert.


“Mme. Arnoux se encontrava de novo. Estava a ler uma brochura de capa cinzenta. Os cantos da boca e a testa franziam-se-lhe por momentos, e na fronte passava-lhe um clarão de prazer... Pus-me então a invejar aquele que escrevera essas coisas que a interessavam. Quanto mais contemplava, mais sentia que entre nós se cavavam abismos. Pensava em abandoná-la... se lhe ter arrancado uma palavra...sem lhe deixar sequer uma recordação!...”



Marlon Brando,





Frank Sinatra.





Those incredible
apples and pears by Cezanne.








The crabs at Sam Wo's.







Tracy's face."

O Fim do Frio




Traduzindo um Dylan Thomas

As mãos estavam cansadas, apesar de toda a noite terem repousado em cima dos lençóis da cama e dele só as ter levado à boca e ao seu coração revolto. As veias corriam, insalubremente regatos azuis, para o branco mar. O leite ao lado fumegava de uma chávena nicada. Cheirou a manhã, e soube que os galos dos pátio inclinavam as cabeças e cantavam ao sol. Que eram os lençóis envolventes senão as mortalhas dos defuntos? Que era o relógio vozeiro, batendo entre as fotografias da mãe e da falecida mulher, senão a voz dum velho inimigo? O tempo era suficientemente misericordioso para lhe deixar o sol vir à cama, e impiedoso para despedir o sol a badaladas quando a noite caía e mais ainda ele precisava da luz rubra e do claro calor.

Melhores Roteiros de todos os Tempos I: Annie Hall





Aula de roteiro. Uma das maiores aberturas e finais da História do Cinema


ANNIE HALL

written by
Woody Allen
Marshall Brickman


ABERTURA


(Sound and Woody Allen monologue begin)


FADE IN:

White credits dissolve in and out on black screen. No sound.


FADE OUT: credits



FADE IN:

Abrupt medium close-up of Alvy Singer doing a comedy monologue. He
wearing a crumbled sports jacket and tieless shirt; the background is stark.

ALVY
There's an old joke. Uh, two elderly
women are at a Catskills mountain
resort, and one of 'em says: "Boy, the
food at this place is really terrible."
The other one says, "Yeah, I know, and
such ... small portions." Well, that's
essentially how I feel about life. Full
of loneliness and misery and suffering
and unhappiness, and it's all over much
too quickly. The-the other important
joke for me is one that's, uh, usually
attributed to Groucho Marx, but I think
it appears originally in Freud's wit and
its relation to the unconscious. And it
goes like this-I'm paraphrasing: Uh ...
"I would never wanna belong to any club
that would have someone like me for a
member." That's the key joke of my adult
life in terms of my relationships with
women. Tsch, you know, lately the
strangest things have been going
through my mind, 'cause I turned forty,
tsch, and I guess I'm going through a
life crisis or something, I don't know.
I, uh ... and I'm not worried about aging.
I'm not one o' those characters, you know.
Although I'm balding slightly on top, that's
about the worst you can say about me. I,
uh, I think I'm gonna get better as I get
older, you know? I think I'm gonna be the-
the balding virile type, you know, as
opposed to say the, uh, distinguished
gray, for instance, you know? 'Less I'm
neither o' those two. Unless I'm one o'
those guys with saliva dribbling out of
his mouth who wanders into a cafeteria
with a shopping bag screaming about
socialism.
(Sighing)
Annie and I broke up and I-I still can't
get my mind around that. You know, I-I
keep sifting the pieces of the relationship
through my mind and-and examining my life
and tryin' to figure out where did the
screw-up come, you know, and a year ago we
were... tsch, in love. You know, and-and-and
... And it's funny, I'm not-I'm not a
morose type. I'm not a depressive character.
I-I-I, uh,
(Laughing)
you know, I was a reasonably happy kid,
I guess. I was brought up in Brooklyn
during World War II.



FINAL

Alvy and Annie shake hands and kiss each other friendly like. Annie crosses
the street, Alvy watching her go. Then he turns, and slowly walks down the
street off screen. His voice is heard over the scene:

ALVY'S VOICE-OVER
After that it got pretty late. And we
both hadda go, but it was great seeing
Annie again, right? I realized what a
terrific person she was and-and how much
fun it was just knowing her and I-I
thought of that old joke, you know, this-
this-this guy goes to a psychiatrist and
says, "Doc, uh, my brother's crazy. He
thinks he's a chicken." And, uh, the
doctor says, "Well, why don't you turn
him in?" And the guy says, "I would, but
I need the eggs." Well, I guess that's
pretty much how how I feet about
relationships. You know, they're totally
irrational and crazy and absurd and ...
but, uh, I guess we keep goin' through it
because, uh, most of us need the eggs.




THE END


Baixa o roteiro completo, faz o favor? Aqui.





Para comemorar os cinco anos da Revista de Domingo do Jornal O Globo, fui convidado a bolar uma lista dos cinco álbuns mais bacanas para se ouvir na estrada, e porquê.

Saiu hoje na Revista. Mas palhinha mesmo, ouvir um tantinho de cada um, só aqui, no Dodomundi. Uma musiquinha da cada álbum. Você baixa, coloca no seu ipod e... viaja, ne?

Download do set abaixo: http://www.sendspace.com/file/wpigkw


1. Forever on my Mind - Son House - Do Álbum Father of the Delta Blues # Para o viajante solitário, que vai para a estrada para se perder e se encontrar, o Blues americano e sua vertente Delta Blues, traduz em letras dilacerantes o estado da alma de quem precisa se deslocar por conta de se sentir deslocado.

2. Ma Ligne De Chance - Anna Karina & Jean Paul Belmondo - Do Álbum Bandes Originales Des Films De Jean Luc Godard # Os personagens de Godard adoram pegar uma estrada. Ouvir essa coletãnea de trilhas de seus filmes equivale voltar aos anos 60 e dirigir um corvette ao lado da Anna Karina, o que não é pouco.

3. Come Wind Come Rain - Vashti Bunyan - Do Álbum Some Things Just Stick in Your Mind # Para mulheres em estradas com chuva. Descabeladas, com os olhos embaçados de lágrimas, entenderem, pela voz emocionante dessa desconhecida cantora britânica dos anos 60, que vai ficar tudo bem.

4. Um Girassol da Cor de Teu Cabelo - Lô Borges - Do Álbum Clube da Esquina # Cair na estrada e refletir sobre caminhos. Os mineiros, desde Guimarães Rosa e seu Veredas, fazem isso como ninguém. O Clube da Esquina nos faz isso com música.

5. Autobahnn - Kraftwerk - Do Álbum Autobahn # Para estradas bem cuidadas e carros velozes. Um disco originamente feito para ser trilha sonora futurista e animada de passeios pelas estradas velozes da Alemanha não poderia ficar fora.

O Rádio, a cabeça e o Corpo

"Bach" Grupo Corpo 1996 - Cenografia Paulo Pederneiras






"In Rainbows" Radiohead 2009 - Cenografia Andi Watson




Ou seria o contrário?

Johnie Blue

No ano de 2005, dei essa entrevista ao Jô. Enquanto esperava nervoso no camarim, me foi oferecida uma garafa de uísque J. Walker Blue Label. Aceitei. Foram 4 curtas horas de espera, graças ao destilado.

E graças a ele, o Johnie Blue, a entrevista correu assim: